sexta-feira, 3 de junho de 2011

Pra não dizer que não falei das flores


Todo mundo tomou tiro. Por dentro. Eu nem sinto muita coisa, fake que sou. Não estive presente nem vivo na quinta-feira. Não fui preso. Não tive os olhos ardendo. Não tomei tiro de borracha.
Se eu estivesse, estaria encolhido num canto, fugido, tentando me proteger e fazer alguma coisa, quem sabe. Hoje, sexta-feira eu fui pra ver se era verdade que tinha tiro. Fui pronto para apanhar e mal correr. Sou pesado, sou lento, falhadíssimo e feio.
Nunca fumei maconha. Nunca colei na prova. Nem quis brigar antes por qualquer coisa. Eu sou branco, boa renda, sorriso simpático suplantando a feiúra. Eu gosto de tomar cerveja e de ver mulher bonita.
Se eu vou para a rua, que mal tem? Que crime se comete? Que bomba pode ser lançada se eu grito? Há direito ao grito apenas para Rodrigo S.M. que nem nunca existiu, invenção que foi de Clarice?
Não. Hoje não teve pedra nem polícia. Teve gente, teve grito, teve revolta. Porque eu não quero ver preso outro igual que eu sei que não fez nada além de gritar e correr para pagar mais barato. Ora, ninguém falaria nada se isso fosse feito na botique.
- Ora pois, dê-me um desconto nessa peça! Quando é que tem promoção?
Quando é que vai ter promoção de transcol mais barato com ar condicionado e lugar direitinho para a gente sentar?
Você aí fumando seu cigarro sentado em maciíssima poltrona vai falar que eu nem devia estar aqui. Que sou desocupado e que me falta trabalho e que me falta prova e que mereço apanhar. Merece você?
Hoje não teve polícia.
Hoje teve preconceito.
Eu fui comprar batatas no supermercado no meio do caminho e o gerente pedia que fechassem a porta para que os baderneiros não roubassem cerveja. Meu senhor dono de supermercado, os baderneiros moram ali mesmo, na Praia do Canto, e compram cerveja neste seu supermercado toda semana.
A lógica é estar na rua e perder, assim, a razão?
Não.
Hoje não teve polícia. Hoje teve madame falando na fila do supermercado que o batalhão tinha mesmo é que atacar.
Que vandalismo é este que canta e dá as mãos contra a violência?
Que vandalismo é este que quer só caminhar?
Eu não acredito nisso.
Eu quero poder gritar sem perder o emprego depois.



** Sancho Pança esteve na manifestação de hoje (03/06/2010) pelo Passe Livre em Vitória, ES e vai estar novamente na segunda-feira, dia 6, às 9h na Ufes.
A foto foi tirada pelo Yuri Barichivich.